sexta-feira, 25 de junho de 2010

FASES

Primeiro dei conselhos
depois dei as costas
A seguir dobrei os joelhos
embarquei em apostas
Agora é a hora
de dar um tempo

quarta-feira, 23 de junho de 2010

FRAGILE

Tem lua no céu – tem tristeza em seus olhos

Um pedaço de lua na boca da noite
acerta em cheio um resquício de mágoa

Frágil imagem - Frágil mágoa

Para onde se volta o seu rosto quando olhos sem norte
procuram a sorte dos seus?

Sábia a vida que aposta no tempo porque tudo se vai com o vento
num sopro de primavera

A semente que você lança agora
em algum momento acertará o flanco da terra
germinando um sonho ou vingando uma guerra

terça-feira, 22 de junho de 2010

REALIDADE

Não bato carteira
Mas bato cartão
Meu mundo é de fábrica
É de chão
É de fome
É de pão

domingo, 20 de junho de 2010

SE

Se a dor é lancinante
Se o afago é confortante
Sê vigilante

quinta-feira, 17 de junho de 2010

LEITURA

Uma máquina passeia sobre mim
tenta decifrar meus ossos
Sinto um pouco de medo
Olho pro teto, branco, quieto...
Leio no seu silêncio: és mortal!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

MANHÃS

Um vento a empurrar as horas do dia
faz da manhã fria o quadro que eu não queria
Não sei se o que bate no meu rosto é nostalgia
ou lembrança do que está em agonia

segunda-feira, 14 de junho de 2010

LEMBRANÇAS APAGADAS

Para que a menina Clara pudesse respirar livremente era comum esconder-se em cima da casa, sobre o telhado da cozinha, tendo por escada a velha goaibeira do quintal vizinho, que desde cedo derramava todos os galhos para este lado do quintal.

A cerca de madeira, prestes a render-se, era o limite entre os dois quintais. Clara sabia exatamente em qual parte da cerca deveria apoiar-se para alcançar o primeiro galho até atingir aquele que serviria de escorregador levando-a até o telhado. Com agilidade felina, traçava os passos automaticamente e tão rápidos que mal se viam as etapas percorridas por seus pezinhos e mãos, que iam deixando suas marcas na árvore companheira.

Ao atingir o telhado era possível tocar em galhos de uma outra árvore, um pé de laranjeira, cujas folhas tenras ao serem mastigadas, antes de arderem, desprendiam um aroma doce e perfumado.

Nesses momentos a menina Clara suspirava profundo como se quisesse engolir a vida para vomitar uma explicação para o que sentia. Dessa forma, aprendera a “ viver pra dentro” , e era do telhado que sentia a sua alma suspensa, quase ao seu alcance. Seu espírito a empurrava para aquele lugar sempre que sentia um vazio, uma fome.

Os pais de Clara, humildes e honestos, sobrando-lhes poucas chances de exercerem outros adjetivos em suas vidas, viviam como a maioria das famílias pobres em uma cidade de interior, de pouquíssimos habitantes, mas de numerosos filhos. Nessa época, adolescentes não adolesciam, viviam cuidando das próprias feridas e engolindo o choro.

Clara não era a filha mais velha, nem a mais nova, era apenas uma entre muitos filhos. Sem conhecer afeto declarado, aprendera a recolher-se. (Um dia seria diferente e tudo valeria a pena). O decantado futuro estava morando longe e um dia a alcançaria, mas não ali, naqueles dias em que a ordem tinha só a opção de ser seguida. Dias em que, se faltasse a energia elétrica era dia do lampião a gás, se fizesse frio era dia de fogueira acesa no chão da cozinha, se faltasse comida (sempre pouca para tantas bocas), era dia da pensão da dona Maria, vez do sortido fazer parceria com a polenta e encher de alegria o estômago da família.

Clara não sabia como aprendera a ler, a fazer crochê, a jogar baralho, mas sabia o quanto sofrera pra aprender a fumar. Horrível no começo, mas conseguira! Os fatos iam se perdendo em sua memória enquanto os aromas e sabores impregnavam-se naquela alma menina.

Da primeira vez em que entrara em uma igreja para assistir a uma missa, fizera xixi e por conta disso permanecera de joelhos, com vergonha de levantar-se. Mais tarde, na mesma igreja, ao assistir o primeiro casamento, tivera uma crise de choro compulsivo não conseguindo assistir ou entender a cerimônia nem a crise. Porém, nada dizia. Não havia reclamação. Não havia pergunta. Não havia resposta.

Em determinado momento juntara-se à família um gato preto que tinha o rabo mutilado como consequência de uma bomba que meninos colocaram no pobre bichano. A mãe de Clara cuidara do animal por razões nunca ditas. Passaram a chamá-lo de “gatão”. Quando, sem muitas explicações, mudaram-se daquela cidade, não se soube mais do bichano. A menina só se dera conta da ausência do gato depois de adulta, depois de velha.

Nessa história as mortes vieram trágicas, naturais, insuportáveis, dolorosas. Quando foi a vez de perder a mãe, Clara perdeu o chão: mães quando se vão nos levam o chão. Ao receber o primeiro abraço de consolo não suportara o calor que invadiu seu corpo, perdera os sentidos ( não fora acostumada a abraços). Ao voltar a si, sentindo um aroma conhecido, ouvira uma voz a dizer: “ tome este chá, vai sentir-se melhor”.

Antes de abrir os olhos Clara decidiu que ficaria assim por mais um tempo, queria esquecer a cara da morte na cara da mãe. Então, saboreando as lembranças lançadas pelo aroma, suspirou bem fundo e, numa epifania, viu a sua alma a lhe sorrir enquanto afagava um gato distinto e preto.

sábado, 12 de junho de 2010

PRESENTE GREGO

Ganhei um presente grego que não é de grego

sexta-feira, 11 de junho de 2010

NÁUFRAGO

Por mais que eu pense e tente
Vem você com os mesmos dentes
Me sabendo única sobrevivente

Entra com a sutileza da sombra
E com faca amolada cortando onda
Mata e mata mil vezes e mata de novo

Frágil me levanto e juro e canto
A alma se rasgando em pranto
Que o tempo cubra com o seu manto
O amor que te tenho porque é santo

quinta-feira, 10 de junho de 2010

CRIME CULPOSO

Lágrimas perdem o sentido
mas não a força
Caem indomáveis, indolentes

O que teria faltado?
Reza? Visgo? Cor?
O destino trilhava a dor?

Tudo pode ser pecado
Tudo pode ser julgado

A pena, sem litígio,
é mais pesada.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Enquanto Durmo - Zélia Duncan

...

De longe parece mais fácil
Frágil é se aproximar
Mas eu chego, eu cobro
Eu dobro teus conselhos
Não me salvo
Porque não me acho
Não me acalmo
Porque não me vejo
Percebo até
Mas desaconselho...

...

terça-feira, 8 de junho de 2010

MAL NENHUM (Arnaldo Antunes - Comp Cazuza/Lobão)

Nunca viram ninguém triste?
Por que não me deixam em paz?
As guerras são todas tão tristes
E não tem nada de mais.

Me deixem bicho acuado
Por um inimigo imaginário
A correr atrás dos carros
Como um cachorro otário

Me deixem ataque equivocado
Por um falso alarme
Quebrando objetos inúteis
Como quem leva uma porrada

Me deixem esmurrar a faca
Amolar a faca cega da paixão
E dar tiros a esmo
Ferindo sempre o mesmo cego coração

Por isso não me escondam suas crianças
Nem me chame o síndico
Não me chame a polícia
Não me chame o hospício


Eu não posso causar mal nenhum
A não ser a mim mesmo,
A não ser a mim...

domingo, 6 de junho de 2010

POEMAS ANTIGOS

Falta tempo
Sobra espaço
Falta cultura
Sobra cansaço
Falta grana
Sobram sonhos
Faltam homens
Sobra(VA)m machos
...

Uma alma que tem tédio
Uma dor pra qual só existe um remédio

Este amor que abre as cortinas de fumaça
Que qual nuvem que passa
Me leva Me toma Me carrega

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Um Trem Para As Estrelas (Cazuza e Gilberto Gil)

São sete horas da manhã
Vejo o Cristo da janela
O sol já apagou a sua luz
E o povo lá embaixo espera
Nas filas de pontos de ônibus
Procurando aonde ir

São todos seus cicerones
Correm pra não desistir
Dos seus salários de fome
E a esperança que eles têm
Nesse filme como extras
Todos querem se dar bem
Num trem para as estrelas

Depois dos navios negreiros
Outras correntezas
Estranho o teu Cristo Rio
Que olha tão longe além
Com os braços sempre abertos
Mas sem proteger ninguém

Eu vou forrar as paredes
Do meu quarto de miséria
Com manchetes de jornal
Pra ver que não é nada sério
Eu vou dar o meu desprezo
Pra você que me ensinou
Que a tristeza é uma maneira
Da gente se salvar depois

quarta-feira, 2 de junho de 2010

SEM RÉDEAS

A menina continua viva
(marcada em negrito)

Com as mãos sujas de tintas
trança com versos um açoite
quer laçar a lua pregada na noite
trazer a paz que não se revela
colada numa aquarela